A minha chefe me avisou na sexta-feira que o cliente com quem teríamos reunião na segunda-feira era todo melindroso. Super mega milionário, não viria ao escritório, nós iríamos à casa dele. E, dizia a lenda, que era do tipo que se via um fio de cabelo fora de lugar, não deixava a pessoa entrar em sua humilde residência.
Isso não foi uma indireta. Foi uma direta no queixo. Descabelada profissional que eu sou, a observação só podia dizer uma coisa: dome esta juba, pelo amor de Deus.
Diz a minha vó que manda quem pode, obedece quem tem juízo. O meu é intermitente, mas calhou que segunda-feira, o dia da tal reunião, ele estava na função.
Daí que acordei uma hora e meia mais cedo do que o costume e fui ao calvário... digo, ao cabeleireiro.Puxa, repuxa e vapora e pronto, uma hora depois, eu saía do salão com as unhas lindas e feitas, à francesinha, e a cabeleira castanha imensa mais esticada que defunto, pelo meio das costas.
Eu odeio fazer escova, mas, dou a mão à palmatória, depois da tortura, a Juma Marruá que mora em mim ficou linda!
Resolvido, ou esticado, o maior dos meus problemas, vinha a questão da roupinha de reunião-com-cliente-mega-ultra-milionário-mais-cheio-de-onda-que-o-meu-cabelo.
Oh, dilema! Amanheceu um frio do inferno (nada me convence que faça calor por lá) e o traje que eu tinha em mente tornou-se proibitório, a não ser que eu tivesse pretensão de adquirir a coloração roxo hipotermia; a lavanderia atrasou a entrega de novo, e eu não tinha nada de muito decente e quente para usar.
Depois de vários questionamentos ao armário aberto de par em par, lembrei de um taierzinho de lã que herdei de mamãe. Mescladinho de cinza, um paletozinho estilo amazona, saia um pouco acima do joelho, sem chegar a ser curta... estava super na moda nos anos 80, quando ela comprou... o que equivale a dizer que está in de novo.
Desenterrei o dito cujo, dei uma checada no estado do coitado e conclui que ele estava utilizável. Vesti-me, fiz uma maquiagem básica, calcei um scarpin lindo de morrer (e de matar os pobres dedos dos pés) e saí, feliz e elegantérrima, para o trabalho.
Nem a garoa insistente estragou o meu humor! Meu cabelo estava escovado e eu tinha um guarda-chuva!
Embora eu more próximo à Paulista, onde engravatados e arrumadinhos em geral não sejam de se estranhar, eu estava chamando atenção na rua.
Quando cheguei ao cruzamento da Paulista com a Consolação, fui obrigada a esperar o semáforo abrir no canteiro dos pontos de ônibus. Mal pus os pés ali, reparei em duas poças d’águas, uma às minhas costas e outra na minha frente.
Para evitar maiores desastres, e enquanto o pessoal do ponto de ônibus me assistia, fiz todo um cálculo aritmético e me posicionei de uma forma que se a poça respingasse não me acertasse.
Passou um ônibus à minha frente e eu sobrevivi, nem uma gota d’água me acertou. O mesmo às minhas costas.
Respirei, e quando armava um sorriso satisfeito por ter escapado incólume às poças d’águas, um FILHO DA PUTA DE UM TAXISTA, achando que estava correndo as 500 milhas de Indianápolis, passou voando pela poça d’água e me deu um banho!
Pude ver a cara das pessoas no ponto de ônibus e juro que cheguei a ouvir um “puuuuuuuuuuuxa, que merda”.
O semáforo tinha fechado de novo e segurado o sujeito infeliz que me molhara. Fui até a janela do cabra, pingando, bati no vidro, e quando ele abaixou, xinguei: FILHO DA PUTA, FILHO DA PUTA, FILHO DA PUTA, em alto e bom som! FILHO DA PUTAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!
O homem não reagiu. Ou o choque de uma moça toda arrumada, xingando como um estivador, lhe causou um mini AVC; ou ele ficou surdo.
Minha elegância, definitivamente, não é impermeável.
(Obs: ah, a reunião... pois é, o cara cancelou! Raiva!)
(by: Karla)